« Isto de facto basta estarmos juntos para acontecer qualquer coisa... »



Diálogos (2021)

Este espetáculo é uma espécie de organismo vivo que possui os intérpretes.
Em aparência e no seu discurso verbal, os intérpretes fazem um passeio por Lisboa num dia. Vão tendo conversas banais e partilhando memórias, com as quais vão criando uma arqueologia daquilo que são uns para os outros.
Mas paralelamente à (ou por dentro da) «conversa de chacha», os corpos projetam um espaço imaginário coletivo onde cada zona do corpo é potencial ponto de acoplagem, de criação de interstícios, de espaços visíveis ou invisíveis, sugerindo acontecimentos exteriores a esses corpos, ou até criando um terceiro corpo: um corpo de corpos.
Com a ignição dos corpos, a palavra abre-se à imprevisibilidade. Por um lado torna-se vulnerável ao estado de não correspondência com os gestos, compondo-se um certo desajuste, um desalinhamento incongruente. Por outro lado, a presença da ação sobre a palavra pode revelar, paradoxalmente, não uma divisão ou um corte, mas uma relação simbiótica entre o movimento e o discurso. No encontro com o corpo em movimento, as palavras podem até tornar percetível o impercetível, permitem-nos sermos capazes de ver mentalmente coisas à nossa frente, de conjeturar e de criar novos significados.
A ação do corpo encontra múltiplas formas de organização que põem em vibração a «conversa de chacha», dando assim visibilidade à dimensão sociológica, mas sobretudo existencial, absurda, trágico-cómica, do desempenho performativo que sustentamos na vida de todos os dias, no nosso quotidiano mais trivial. O corpo abre rachas nas palavras e mergulhamos nos abismos, nas fúrias, nos monstros, nos silêncios, nos buracos negros, nas utopias e nas distopias que palpitam dentro destes diálogos que nos parecem querer dizer «está tudo bem».

Dialogues (2021)

This show is a kind of living organism that possesses the performers.
In appearance and in their verbal speech, they take a one-day tour in Lisbon, keeping up trivial conversations and sharing memories.
At the same time, bodies project a collective imaginary space where each part of the body is a potential point of coupling, creating interstices, visible or invisible spaces, suggesting unreal events outside these bodies, or even creating a third body: a body of bodies.
By the ignition of bodies, words open up to unpredictability. On the one hand, they become vulnerable to the state of non-correspondence with gestures, composing a certain maladjustment, an incongruous misalignment. On the other hand, the presence of action on the words can reveal, paradoxically, not a division or a cut, but a symbiotic relationship between movement and discourse. From this encounter with the moving body, words can even make the imperceptible noticeable, allowing us to be able to mentally see things in front of us, to conjecture and create new meanings.
The action of the body finds multiple forms of organization that vibrate the trivial conversations, thus giving visibility to the sociological, but above all existential, absurd, tragic-comic dimension of the performative roles we sustain in our everyday social life. The body opens cracks in words and we plunge into the abysses, furies, monsters, silences, black holes, utopias and dystopias that throb within these dialogues that seem to tell us “everything is ok”.

Artistic conception and direction Henrique Furtado Vieira
Performance and co-creation Catarina Vieira, Leonor Mendes, Sérgio Diogo Matias
Light design, technical direction and scenic space Hugo Coelho – Aldeia da Luz
Sound design João Bento
Costumes Rita Álvares Pereira
Costume assistant Ana Sofia Vicente
Scenography execution Rita Pico
Dramaturgical outside eye Joclécio Azevedo
Coordination and production Cátia Mateus
Administration Vítor Alves Brotas | Agência 25
Coproduction CCB – Centro Cultural de Belém
Coproduction residency Espaço do Tempo
Residencies and support Forum Dança, O Rumo do Fumo, Pro.dança, Câmara Municipal de Lisboa / Polo Cultural Gaivotas | Boavista
Thanks to Maria Antónia Matias, Marta Ramos, Marta Vieira, Miguel Pereira, Sofia Dias, Tânia Guerreiro, Tiago Barbosa, Tomás Mendes, Vera Mantero, Vítor Roriz
Project financed by República Portuguesa - Cultura | Direcção-Geral das Artes
Project co-financed by Garantir Cultura, Compete 2020, Portugal 2020 e União Europeia através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER

Auto-entrevista (2021)
Esta peça não tem início nem fim. Uma pessoa dialoga. Três pessoas dialogam. Infinitas entidades dialogam.
Que forma deste a estes diálogos? Um paraquedas colorido. Consideras-te uma forma ou um evento? Sinto que tenho uma forma, mas esta está em constante mutação desde que fui concebido. O evento da minha vida é a vida da minha forma. Com que forma nasceste? Todos nascemos esferas. Mas depois os nossos contornos vão se tornando cada vez mais angulares. Alguns, os mais quadrados, tornam-se cúbicos. Um cubo é uma esfera militar. Porque é que as coisas têm contornos? Porque as coisas são aglomerados de matéria que ao atingirem o seu limite gravitacional de aglomeração ganham "contornos". Então sem gravidade, não haveria contornos? Não, porque não haveria olhos. Porque é que os palhaços não têm pais? Porque são demasiados os Eus dentro dum só palhaço. Quem é que dentro de mim me decide dançar? O que está fora da tua perceção. Quem é que fora de mim me decide dançar? O Big Bang, o Sagrado, a escuridão, os eclipses e a quarta dimensão. Como chegar à quarta dimensão? Provavelmente com uma corpovisão do universo. Um erotismo cósmico. Não sou lá muito erótico… experimenta mergulhar noutras escalas. No que está fora do teu alcance. Alcance de quem? Do ser humano… do artista… Mas principalmente do espetador. Gostas de adivinhas? Muito. Mesmo quando não encontras respostas? Sobretudo quando não encontro respostas. Porquê? Sou um ilusionista do gesto. Um mágico? Mais ou menos. Um mágico sem acessórios. E ainda assim sacas coelhos da cartola? Coelhos metafóricos, sim. E além dos coelhos? O gesto. O corpo. O fumo. [suspensão] Se pensarmos no espaço como sólido, os corpos são como vazios nesse espaço. Quem é que disse isso? Eu. E o Tony Smith. E muitas outras pessoas que também dialogaram com o Tony Smith. Comigo, queres tu dizer. Sim, contigo, Tony Smith. Como te chamas tu? Tony Smith. Porque andas em círculos? Porque os palhaços vivem num círculo. O que é uma ideia? É um preconceito. O que é uma ideia? É um preconceito. O que é uma ideia? Um contorno provisório. O que é uma ideia? Um lugar onde o tempo está suspenso e em expansão. Como o Big Bang. E esta peça, é sobre o quê? Sobre ti. Sobre mim. Sobre adiar o fim do mundo.

Self interview (2021)
This piece has no beginning and no end. One person dialogues. Three people dialogue. Endless entities dialogue.
What form did you give to these dialogues?
A colorful parachute. Do you consider yourself a form or an event? I feel I have a form, but this form is constantly changing since I was conceived. The event of my life is the life of my form. What form were you born with? We are all born spheres. But then our outlines become more and more angular. Some, the squarest, become cubic. A cube is a military sphere. Why do things have outlines? Because things are agglomerations of matter that upon reaching their gravitational limit of agglomeration gain "outlines". So, without gravity there would be no outlines? There wouldn’t, because there would be no eyes. Why is it that clowns have no parents? Because there are too many selves inside one clown. Who inside me decides to dance? What is outside of your perception. Who outside me decides to dance? The Big Bang, the Sacred, darkness, eclipses, and the fourth dimension. How does one reach the fourth dimension? Probably through a body-vision of the Universe. A cosmic eroticism. I'm not very erotic... try diving into other scales. Into what is out of reach. Whose reach? Of the human being... of the artist... but mainly of the spectator. Do you like riddles? Very much. Even when you can't find the answers? Especially when I can't find the answers. Why is that? I'm an illusionist of gesture. A magician? Something like that. A magician without accessories. Even so, do you pull rabbits out of your hat? Metaphorical rabbits, yes. And besides rabbits? Gestures. The body. The smoke. [suspension] If we think of space as something solid, then bodies become like voids in that space. Who said that? I did. And Tony Smith. And many other people who also dialogued with Tony Smith. With me, you mean. Yes, with you, Tony Smith. What is your name? Tony Smith. Why are you going around in circles? Because clowns live in a circle. What is an idea? A preconception. What is an idea? A preconception. What is an idea? A temporary outline. What is an idea? A place where time is suspended and expanding. Like the Big Bang. And this piece, what is it about? About you. About me. About postponing the end of the world.




© Bruno Simão


Support

       

      


Mark